Uma lagarta no meu espinafre

Lá fora, nem quente, nem frio. A brisa suave, marcando a transição do verão para o outono, balançam as folhas exuberantes do espinafre. Fortes, radiantes, agradecem o cuidado recebido e refletem as luzes do norte que clarearam a noite anterior.

Eu, a dona da casa e da minha própria horta de legumes, decidi colher o que me pertence. Segundos depois, lá estavam as folhas, na bacia, dentro da pia, de molho esperando a hora de entrar na salada.
Lavei, lavei e reservei. De repente, senti um arrepio... movimentos lentos atraíram meu olhar. Uma pequena coisa, tão verde e exuberante quanto as folhas, andava pela pia. Pego a câmera. Quero ver de perto, observar o ser vivo diante de mim. Na lente, a folha parece em estado de choque - mostra o desconforto de quem está entre uma lagarta e a panela. Separada do solo quente e fértil, com o talo quebrado, deixa escapar a seiva.

Em meio à culpa e à curiosidade, olho o bicho. No meu rosto, estampados o medo, a repulsa. Em resposta, ela caminha sob a folha molhada, ergue a cabeça, aproveitando de sua soberania momentânea e sem a menor cerimônia, defeca na minha frente, mostrando sua face mais íntima. Altera de vez o meu cardápio de almoço. Até posso superar uma folha rasgada, mastigada pelos dentes famintos, mas fezes não. Ah, isso já era demais!

Contemplei a beleza do verme e, na minha ignorância humana, não soube distinguir entre o bem e o mal.

Peguei a folha pelo curto galho e encurralei a lagarta. Sem opção, ela voltou a subir no espinafre, aproveitando as veias da folha, mostrando o esforço de quem sobe as escadarias da penha. Nesse ponto, eu, mais curiosa que enojada, e como na história do príncipe, já me sentia responsável por ela. Não poderia mais ignorar sua existência e muito menos subtraí-la.

A criatura verde começa uma movimentação frenética - levanta a cabeça explorando o ambiente, segue balançando suas várias pernas e, antes que decida pular sobre minha pele arrepiada, pego a folha e saio apressada porta afora.

Já no meio do quintal, paro indecisa. Corro pelas escadas mirando o canteiro de espinafre. Vou devolver a bela lagarta ao seu lar, mas a visão das folhas grandes e bonitas traz de volta a lembrança das horas de trabalho, semeando a terra, molhando e cultivando a planta. Torturada pela dúvida, o olhar adulto vê, pelo canto do olho, uma daquelas pragas de jardim, também mestres em distrair nossa atenção com suas flores amarelas como gema de ovo. Assim como a lagarta, a planta usa de sua beleza para atrair e, mais tarde, destruir. Perfeito! Elas se merecem. As duas belas, mas ainda assim, pragas.

Firme, racional, sem mais demora, coloco a folha do espinafre ao lado da erva daninha e fico observando, torcendo para que ela coma a erva e tenha uma indigestão.

É verdade! Eu a repudiava, detestava, mas nem por isso matei a lagarta. Tirei-a da minha frente e deixei-a escolher seu caminho. Com a leveza de quem não sente culpa, sorri o sorriso do alívio. Fiz o meu melhor e estava em paz.

Vi a beleza na liberdade. Descobri similaridades: eu e a lagarta tínhamos muito em comum: éramos atraídas pelo verde puro, apreciamos os legumes, as vitaminas. Seres imperfeitos, capazes de espantar, encantar, ameaçar e "mastigar". Então, por que não compartilharmos o quintal?

Enquanto eu filosofava deitada no chão quente, a largata, que sabia muito bem do que gostava, levantou a cabeça e mergulhou a minúscula boca na folha de espinafre. Comeu freneticamente, deixando a borda da folha rendada. Dando-se por satisfeita, desapareceu entre a grama, livre para se transformar e se multiplicar.

A pequena criatura me arremessou ao chão e me colocou de joelhos. Instigou a reflexão, fez a conexão com a natureza, acordou a criança e, com ela, a imaginação, a curiosidade e a alegria de pertencer ao universo. Um ciclo de acontecimento a serviço da vida.

Sentada à mesa, com a porta aberta, apreciando um dia lindo, comi a salada de tomates (sem espinafre), frutos que eu mesma plantei e dos quais cuidei, sentindo a felicidade de reencontrar a minha alma caipira.

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